Recompensa Alimentar
O apetite nem sempre responde ao que o corpo precisa. Às vezes responde ao que o cérebro deseja. E esse desejo nasce rápido, antes de qualquer cálculo interno sobre energia. É por isso que um alimento altamente palatável encurta a distância entre vontade e mordida. A sensação chega primeiro, a razão chega depois.
A recompensa alimentar não é capricho. É um sistema antigo que se ativa quando gordura, açúcar e sal aparecem juntos. O cérebro interpreta essa combinação como oportunidade. O corpo ainda pensa em sobrevivência mesmo quando estamos cercados de abundância.
Quando o sabor atropela o sinal
Nos anos 1980 e 1990, Adam Drewnowski publicou estudos mostrando que alimentos ricos em gordura e açúcar produzem respostas de preferência muito mais fortes do que alimentos isoladamente gordurosos ou açucarados. Nada disso é novidade para quem já abriu um pacote de biscoitos depois de um dia longo. Mas a ciência deu nome ao fenômeno.
A combinação aumenta a ativação do sistema mesolímbico.
E quanto maior a ativação, menor a atenção aos sinais de saciedade.
O corpo não está sendo enganado. Ele está sendo superestimulado.
Quando um alimento dispara recompensa alta, a percepção de plenitude se desloca. A saciação acontece, mas a saciedade dura pouco. Isso explica por que comidas hiperpalatáveis desaparecem do prato antes que o corpo registre que foram consumidas.
Alimentos feitos para continuar sendo comidos
Em 2019, Kevin Hall e sua equipe no NIH compararam dietas ultraprocessadas e minimamente processadas mantendo calorias, macronutrientes e palatabilidade subjetiva alinhadas. Mesmo assim, os participantes comeram mais nas refeições ultraprocessadas. Quase 500 calorias a mais por dia.
Não por fome.
Por ritmo.
Os alimentos ultraprocessados são mastigados mais rápido.
O volume por caloria é menor.
A recompensa sensorial é constante.
O cérebro não recebe tempo suficiente para atualizar o sinal de parada.
O apetite vira fluxo.
Como a hiperpalatabilidade distorce a saciedade
A hiperpalatabilidade não precisa ser extrema para alterar comportamento. Barbara Rolls mostrou em seus trabalhos sobre densidade energética que pequenas mudanças de textura, sabor e gordura já influenciam o quanto alguém come antes de perceber que já comeu o suficiente.
Cada elemento sensorial acelera o início do prazer e reduz a resistência mecânica da comida. A mastigação encurta. O tempo de boca diminui. O corpo perde a chance de ajustar o apetite enquanto a refeição acontece.
Recompensa demais é saciedade de menos.
Quando o cérebro decide primeiro
No início dos anos 2000, estudos de fMRI mostraram que áreas como o estriado ventral respondem a imagens de alimentos altamente palatáveis antes mesmo do raciocínio consciente. Essa antecipação não decide o que comer, mas decide o quanto será difícil parar.
A recompensa alimentar altera timing.
E saciedade é, antes de tudo, ritmo.
Quando o cérebro recebe um sinal forte demais, ele empurra o comportamento para frente. Não por falta de força de vontade. Por falta de pausa. O corpo tenta conversar, mas a conversa chega atrasada.
O que isso significa para a saciedade por caloria
Recompensa alimentar não disputa com os macronutrientes.
Ela interfere neles.
Proteína continua saciando mais.
Fibra continua dando volume.
Gordura continua entregando energia concentrada.
Mas quando a recompensa é alta, tudo isso perde parte do efeito. A saciedade não desaparece. Ela só deixa de ser a força dominante. O cérebro assume o volante por alguns minutos. E bastam alguns minutos para alterar a quantidade total ingerida.
O apetite muda de eixo quando a recompensa empurra o corpo para longe do que ele reconheceria como suficiente.